A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho tomou uma decisão paradigmática sobre a situação dos carregadores autônomos na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp). Segundo o colegiado, os movimentadores de carga contratados nos entrepostos da Ceagesp (conhecidos como “chapas”) devem ser classificados como trabalhadores avulsos urbanos não portuários e, com isso, passarão a ter organização, formalização e proteção trabalhista e previdenciária.
Contudo, por se tratar de um problema que afeta cerca de 3.500 trabalhadores, a medida deve se dar segundo a lógica de um processo estrutural, mediante um regime de transição flexível, a ser definido em cooperação entre as partes envolvidas e o Judiciário.
MPT apontou irregularidades nas condições de trabalho
Em 2015, o Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou uma ação civil pública contra a Ceagesp e o Sindicato dos Carregadores Autônomos de Hortifrutigranjeiros e Pescados em Centrais de Abastecimento de Alimentos do Estado de São Paulo (Sindicar) para que os trabalhadores fossem enquadrados na Lei 12.023/2009, que trata das atividades de movimentação de mercadorias e sobre o trabalho avulso fora das áreas portuárias.
Segundo o MPT, os cerca de 3.500 carregadores autônomos são regidos por uma norma interna da Ceagesp, que prevê, mesmo sem haver exigência de filiação ao sindicato, realização de cadastro e pagamento mensal de R$ 20 por trabalhador e de R$ 20 anuais para a companhia. Do contrário, não poderiam trabalhar.
A contratação é feita diretamente pelos compradores das mercadorias, sem a intermediação do sindicato. “Tal qual no trabalho escravo, os carregadores são obrigados a pagar pela utilização dos instrumentos de trabalho e a suportar o trabalho informal e inseguro, sem os registros exigidos por lei, sem divisão isonômica da demanda de serviços, sem meio ambiente sadio e sem seguridade social”, sustentou.
Ceagesp e sindicato negam responsabilidade
Em sua defesa, a Ceagesp sustentou que a Lei 12.023/2009 não incluiria os chapas, e, na falta de lei específica, a atividade era regulada por normativo interno. Argumentou, ainda, que não tinha responsabilidade por esses trabalhadores, pois não era a tomadora de serviço nem o sindicato da categoria.
No mesmo sentido, o Sindicar alegou que os carregadores atuavam de forma autônoma, “exercendo o direito à livre concorrência, forma de trabalho que optaram por entenderem ser a mais benéfica”, e que não é responsável pela contratação dos movimentadores nem por suas condições de trabalho.
Lei garantiu proteção
O Juízo da 7ª Vara do Trabalho de São Paulo entendeu que a Lei 12.023/2009 era aplicável aos “chapas” da Ceagesp. De acordo com a sentença, a norma foi um marco para a categoria, que até então trabalhava sem nenhuma formalidade, retirando-a da marginalidade e da desproteção social, pois o trabalho avulso era regulamentado apenas no âmbito dos portos. Para o juiz, as condições em que o trabalho era desenvolvido - em ambiente com exposição à saúde e à integridade física do trabalhador e riscos permanentes, com relatos de acidentes e mortes, inclusive por carregamento de peso excessivo - tornam a formalização e a proteção legal ainda mais necessária.
Com isso, a Ceagesp e o Sindicar foram condenados a cumprir uma série de obrigações baseadas na lei, sob pena de multa em caso de descumprimento, e a pagar R$ 300 mil a título de dano moral coletivo.
Para TRT , lei não se aplica ao caso
Contudo, ao julgar recurso da Ceagesp, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) afastou a aplicação da Lei 12.023/2009. Para marcar a diferença entre avulsos e autônomos, o TRT enfatizou que os carregadores autônomos não atuam apenas na movimentação de mercadorias, mas também na venda de mercadorias, na cobrança e em pagamentos. Ainda segundo a decisão, eles não teriam interesse na prestação de serviços como avulsos, pois passariam a receber apenas pela carga e descarga de mercadorias.
Atividades têm a mesma essência
A relatora do recurso de revista do MPT, ministra Maria Helena Mallmann, observou que, até a edição da Lei 12.023/2009, apenas os trabalhadores avulsos que atuavam em portos contavam com a proteção da lei (no caso, a Lei 8.630/1993, antiga Lei dos Portos). A nova norma buscou proteger trabalhadores sem vínculo empregatício e sem proteção trabalhista que atuam na movimentação de mercadorias fora da área portuária.
Para ela, o fato de os carregadores autônomos da Ceagesp também participarem da comercialização de mercadorias não altera a essência de suas funções. “O eventual exercício – em concomitância – de atividade de venda de produtos em favor de permissionários dos entrepostos não desnatura a atividade de movimentação de mercadorias. Na verdade, apenas indica que esses carregadores podem pactuar contratos anexos à atividade de movimentação”, assinalou. Por isso, eles devem receber o mesmo tratamento dos trabalhadores avulsos urbanos não portuários.
Questão estrutural exige solução dinâmica
Em seu voto, a ministra destacou que a ação trata de um problema estrutural no tratamento jurídico dos carregadores autônomos da Ceagesp que afeta cerca de 3.500 trabalhadores. Essa situação de desconformidade estrutural, segundo ela, exige uma solução ajustada e dinâmica, que não pode ser alcançada com uma única decisão judicial que simplesmente reconheça direitos e imponha obrigações.
Para a ministra, uma atuação judicial efetiva requer uma reestruturação sistêmica que trate da raiz do problema. Isso significa que a plena aplicação da Lei 12.023/2009 aos carregadores autônomos da Ceagesp deve ser alcançada por meio de um processo flexível, negociado entre os atores sociais e o Judiciário, com um regime de transição e atenção às consequências das decisões tomadas.
Seguindo o voto da relatora, a Segunda Turma restabeleceu a sentença, incluindo as obrigações definidas para corrigir a situação de desconformidade. No entanto, a mudança deve seguir um regime de transição flexível para a aplicação plena da lei, a ser definido em colaboração entre as partes envolvidas e o juiz. A condenação solidária ao pagamento de indenização por dano moral coletivo também foi restabelecida.
A decisão foi unânime.
(Ricardo Reis, Bruno Vilar e Carmem Feijó/CF)
Processo: RRAg-1142-17.2015.5.02.0007
Texto publicado originalmente no site do TST