Em alusão ao Dia da Abolição da Escravatura, a Escola Nacional da Magistratura – ENM realizou na última quinta-feira, 13/5, uma conferência temática sobre trabalho escravo contemporâneo. A exposição principal ficou a cargo da Procuradora do Ministério Público do Trabalho – MPT, Débora Tito Farias. O Diretor Administrativo e Financeiro da Escola Associativa dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região – ESMAT 15 e Coordenador Trabalhista da ENM, Juiz Maurício Bearzotti de Souza, participou como um dos debatedores.
Na abertura do evento, o Diretor-Presidente da ENM, Desembargador Caetano Levi Lopes, fez breve leitura da Lei Áurea e questionou: “formalmente a escravidão foi extinta. Mas será que, substancialmente, ela realmente se extinguiu? Decorrido mais de um século, sabemos que não, infelizmente”. E completou: “A transparência é que vai permitir que efetivamente nós possamos extinguir esse mal da sociedade”.
Em sua fala, Débora Tito Farias, trouxe a seguinte provocação: “será que a escravidão já foi justa em algum momento da humanidade? Não, né? Mas no Brasil, até 133 anos atrás, o que é recente, era legal! Mas nem sempre o que é legal é justo e é ai que a gente precisa da sensibilidade e da vivência de todos nós, principalmente, para quem é da área trabalhista”.
Na sequência, a Procuradora do MPT discorreu sobre o trabalho escravo no Brasil, apresentando-o estruturado no seguinte “tripé”:
a) Ganância: para ela, quando se fala em trabalho escravo, é natural vir à mente a imagem de um homem negro sendo açoitado. “Mas o que está por trás não é a maldade de bater, é a ganância. É uma vontade tão grande de lucrar que o trabalhador, na ponta, se torna uma coisa. E o que é ser trabalhador escravo? É ser considerado uma coisa. Inclusive o Direito do Trabalho nasceu disso, durante a Revolução Industrial, quando os trabalhadores foram à luta, porque eles eram insumo na cadeia produtiva, não eram detentores de direitos”.
b) Miséria: segundo Débora Tito Farias, a carência de recursos materiais e as necessidades humanas são campo fértil à exploração. Nesse contexto, a vontade do trabalhador, que “aceita” se submeter às condições degradantes, não é um fator decisivo. “Se eu encontro um trabalhador em condições análogas à de escravo eu tenho que resgatá-lo. A vontade dele é irrelevante, porque ele não está com aquele protagonismo de se sentir sujeito de direitos, ele nunca foi sujeito de direitos”, disse.
c) Impunidade: Para ela, “o mau empregador, sabendo que não vai acontecer absolutamente nada com ele, super explora, causando a concorrência desleal com as empresas que estão na linha, mas atuando corretamente”.
Na oportunidade, o outro debatedor, Juiz Paulo Roberto Dornelles Junior, disse que era muito bom ver alguém com tanta paixão pelo trabalho como Débora Tito Farias. “É emocionante, a gente sente aquela energia positiva de alguém que quer trabalhar, mudar. Eu atuei em diversas regiões do Brasil, e essa diversidade do nosso país nos faz pensar que sem paixão não é possível, mas também não é possível trabalhar sem inteligência”.
Para o Juiz Maurício Bearzotti de Souza, a exposição foi técnica, embora, com linguagem acessível. “Só aquelas pessoas que estudam muito conseguem fazer isso”, disse. E completou: “Muito interessante a sua abordagem porque, realmente, quando analisamos o trabalho escravo contemporâneo fica muito claro esse ‘tripé’ e a necessidade de enfrentamento dele. É como um ciclo que se retroalimenta.” O Magistrado destacou o trabalho do MPT, refletido em outros segmentos da sociedade, de não apenas reprimir, mas de quebrar esse ciclo.
A atividade contou, ainda, com um amplo leque de informações sobre o tema: dados estatísticos; fatos históricos; as variadas faces do trabalho escravo contemporâneo (migrantes, trabalho doméstico e infantil etc.); medidas judiciais e extrajudiciais, não restritas ao aspecto pecuniário. Com rica exposição de experiências pessoais da Procuradora.
A conferência foi mediada pelo Assessor Especial da ENM, Juiz Marcelo Piragibe.
Para assistir na íntegra (via canal da ENM na plataforma do YouTube), clique aqui.