Devido às restrições sanitárias decorrentes da pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), os prédios da Justiça do Trabalho estão temporariamente fechados, sem atendimento presencial. Mas isso não significa que as necessidades da população foram deixadas de lado.
Os Magistrados Trabalhistas de todas as esferas (Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho e Varas do Trabalho) têm se empenhando na continuidade do serviço público. Além da atuação em regime de teletrabalho (“home office”), estão realizado sessões e audiências por videoconferência (“telepresenciais”) e produzindo um elevado número de atos judiciais, que resultam em pagamentos de direitos trabalhistas e na movimentação de recursos que beneficiam a sociedade (por exemplo, direcionando verbas a Hospitais e outras entidades dedicadas ao enfrentamento da COVID-19).
Jus postulandi
Na Justiça do Trabalho a ação pode ser proposta de maneira escrita (o mais comum) ou verbal. Neste caso, a pessoa se dirige até o Fórum, expõe sua causa a um servidor, que elabora um documento (em termos jurídicos, “reduz a termo”). Daí para frente, a ação verbal tem o mesmo seguimento de uma ação escrita.
A CLT permite que isso seja feito até mesmo sem o assessoramento de advogado, prática normalmente identificada como “princípio do jus postulandi”, ou seja, o direito de postular (pedir) sem necessitar do amparo de um profissional da advocacia (embora seja bastante recomendável que, quando possível, a pessoa procure um advogado).
Nos grandes centros normalmente as pessoas contam com assessoramento de advogado. Mesmo que a ação seja proposta verbalmente e sem advogado, é possível contratá-lo em qualquer momento. Mas em alguns lugares do País é frequente que os trabalhadores se valham do “princípio do jus postulandi”.
Nesses casos, surge o problema: como apresentar a ação, verbalmente, se os prédios da Justiça do Trabalho não estão atendendo ao público?
Vara do Trabalho de Plácido de Castro (AC)
De forma pioneira, desde fevereiro de 2.019, a Vara do Trabalho de Plácido de Castro (AC), do Tribunal Regional do Trabalho da 14.ª Região (RO e AC), tem admitido o ajuizamento telepresencial de ações trabalhistas.
A Juíza atuante nessa Vara, Christiana D’arc Damasceno Oliveira Andrade Sandim, garante que esse formato permitiu que não houvesse quebra na continuidade do atendimento aos trabalhadores durante a pandemia. “Tivemos conhecimento de que, no atual período de COVID, outras Varas no Brasil se inspiraram na iniciativa e se animaram a efetuar a medida”, disse à Assessoria de Imprensa da AMATRA XV.
Por meio do projeto denominado “Judiciário Humanizado e Sem Fronteiras”, as ações são ajuizadas com uso de soluções tecnológicas de transmissão de som e imagem em tempo real. Centenas de novos processos foram iniciados dessa forma.
Para Christiana D’arc Damasceno Oliveira Andrade Sandim, idealizadora do projeto juntamente aos servidores da Vara, “o atendimento telepresencial para o ajuizamento de ações é a porta de entrada para um Judiciário que se reinventa, e ultrapassa as barreiras de tempo e distância. O 'jus postuland' não é um mero instituto folclórico, sob a poeira da narrativa imaginativa e em desuso. É real. Miramos em ‘seus olhos’ dia a dia”.
No Acre, isso surgiu antes da pandemia devido à reduzida quantidade de advogados trabalhista que atuam na região.
Segundo a Juíza, essa medida, executada na dúplice fronteira Brasil/Bolívia, potencializa a concretização de direitos humanos e fundamentais em favor da população mais vulnerável, ainda mais no grave cenário atual.
“Quando o jurisdicionado opta expressamente por exercer o 'jus postulandi' para ajuizamento de ação, embora orientado a buscar advogado, é realizada videochamada para que se comunique, em tempo real, com a servidora responsável pela atermação [redução a termo], lotada na Vara e com atuação remota a partir de Porto Velho (RO). No decorrer da triagem e da entrevista, realizadas pela própria servidora responsável, são captadas na Vara imagens dos documentos pessoais e probatórios apresentados pelo cidadão, mediante celular ou aplicativo gratuito de digitalização, com o imediato envio dos arquivos à servidora (via telefone, com aplicativo gratuito de comunicação, WhatsApp, e-mail institucional, entre outros), a qual efetua a pronta análise e elaboração do termo de reclamação, que é então conferido pelo jurisdicionado, com alimentação no Processo Judicial Eletrônico (PJE).
Mesmo durante o período atual de calamidade pública ocasionada pela pandemia afeta à enfermidade COVID-19, com determinação de distanciamento social e interrupção da atividade presencial no Judiciário brasileiro, o ajuizamento das ações no exercício do jus postulandi permaneceu, diante da expertise acumulada em mais de um ano de prática, agora mediante contatos dos jurisdicionados a partir de seus próprios equipamentos de qualquer local do mundo (telefones e computadores com acesso à internet).
A partir de aviso em cartaz fixado na frente da Vara, o jurisdicionado contacta o telefone do plantão da Vara, e é encaminhado para o atendimento telepresencial sendo, que, integralmente via meios tecnológicos de comunicação, são efetuadas a verificação e a confirmação de identidade, com o tratamento das questões com as medidas já descritas.”
Gestões como essa permitiram que a Vara de Plácido de Castro, no período de 1 ano, passasse a figurar como a 7.ª com melhor desempenho entre todas as 1.567 Varas do Trabalho Brasileiras, no período de abril/2.019 a março/2.020, segundo o Índice Nacional de Gestão de Desempenho da Justiça do Trabalho divulgado pela Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho.
“O formato de atendimento telepresencial para ajuizamento de ações dos que não dispõem de advogado contorna dificuldades geográficas e amplia o acesso à justiça, tanto em época de normalidade, como na vigente pandemia mundial trazida pelo Coronavírus, tornando possível que não haja ruptura do atendimento à população e ajuizamento das correspondentes ações, acaso haja escassez de causídicos na localidade”, arremata Christiana D’arc Damasceno Oliveira Andrade Sandim.
Integram a equipe da Vara do Trabalho de Plácido de Castro os Servidores Fernando Yuji, Renato Nunes, Heidson Guimarães, Larissa Vieira, Wemerson Magalhães e Washington Vilela, além do Estagiário Erik da Silva.
Vara do Trabalho de Santa Luzia (MG)
A Juíza Jéssica Grazielle Andrade Martins, atuante na Vara do Trabalho de Santa Luzia, do Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região (MG), conta que, durante a pandemia, começou a refletir sobre o quanto era difícil ao cidadão sem formação jurídica buscar informações sobre a Justiça do Trabalho.
Na tentativa de facilitar o acesso dessas pessoas ao Poder Judiciário, ela cadastrou o número fixo da Vara como WhatsApp. Inicialmente, acreditando que seria apenas um facilitador para comunicação rápida de eventuais dificuldades ocorridas na realização das audiências por videoconferência. Contudo, antes mesmo que preparasse um texto para divulgação dessa nova forma de comunicação, várias mensagens, com as mais diversas dúvidas, começaram a chegar.
Foi então afixada na porta da Vara e autorizada a divulgação em grupos de WhatsApp de uma mensagem indicando como falar com a equipe da Vara do Trabalho de Santa Luzia.
“A partir dessa nova forma de contato, me deparei com uma situação de cerca de 40 trabalhadores que teriam sido dispensados de forma imotivada sem nada receber, sendo inclusive o MPT cientificado a respeito. Inicialmente os trabalhadores foram informados que o serviço de atermação [redução a termo], que era feito presencialmente, estava suspenso. Contudo alguns trabalhadores insistiram em mandar mensagens”, conta a Juíza.
Diante dessas mensagens, ela retomou o “foco no acesso à Justiça estampado na Constituição e na possibilidade de jus postulandi prevista no art. 791 da CLT”. Trocou ideias com vários colegas da Magistratura, inclusive com a Corregedora Regional, Desembargadora Ana Maria Amorim Rebouças, para saber como tornar efetivo esse acesso por meio de uma atermação remota.
“Pelo WhatsApp, retornarmos o contato com um trabalhador dispensado sem acerto, recebemos fotos dos documentos e enviamos a ele link para baixar o CISCO WEBEX e fizemos agendamento do primeiro atendimento por videoconferência. No dia 7 de maio, com horário agendado, o trabalhador entrou em contato pelo aplicativo para tirar dúvidas no acesso ao sistema e fomos orientando o passo a passo. Ele finalmente conseguiu entrar e ser atendido, pôde falar, perguntar e ter respondidas todas as suas dúvidas”, relata Jéssica Grazielle Andrade Martins.
No dia 25 de maio aconteceu a audiência por videoconferência. Foi realizado um acordo para pagamento de forma parcelada, incluindo todas as multas. “Estamos cientes de que nem todos terão facilidade por conta de internet ou outros obstáculos, mas acreditamos que o pouco já pode significar muito na vida de alguém. Compartilhei com todos os servidores da Vara do Trabalho de Santa Luzia e também com nossa Corregedora, o agradecimento do jurisdicionado pela oportunidade de acesso ao Poder Judiciário. Ele estava emocionado por conseguir atendimento, mesmo em condições tão adversas, pois tinha dois filhos e já estava em dificuldade para comprar mantimentos sem seu emprego”.
Integram a equipe da Vara do Trabalho de Santa Luzia os Servidores Marcelo Garnica dos Reis, Daniela aparecida Nepomuceno Soares, Roberto Ribeiro Diniz Filho, Marcos Hidemitsu Ikeda, Leidiane Mendes Ramos de Carvalho, Thales Augusto Nepomuceno Soares, Aline Ataíde Linhares Frota, Beatriz Teixeira da Costa Fernandes, Maria Elizabeth Soares Viana da Silva, Haydee Soares Pinto Carvalho, Luana Souza Araújo, Iara do Prado Maciel e Simone Gonçalves Rodrigues Machado, bem como o Estagiário Pedro Augusto de Souza e Silva.